Pais e Filhas - Quando as coisas falham
A relação entre pai e filha é das mais importantes na vida de uma mulher. É a primeira figura masculina com quem estabelecemos uma relação de afecto. É a relação que estabelecemos com ele que irá ditar, de alguma forma, a maneira como nos relacionamos com outros homens e com o mundo. É esta relação que molda a nossa auto-estima, a imagem que temos de nós próprias, mas também a imagem que temos de outros homens - seja na família, amigos, colegas, namorados.
Há umas consultas atrás com a minha terapeuta, disse-lhe que ainda hoje tenho dificuldade em demonstrar carinho pelo meu pai. Não o abraço, não lhe dou beijinhos de livre vontade, não lhe digo que gosto dele. E quando olho para a minha irmã mais nova e vejo que ela não tem qualquer problema em fazê-lo e lança-se de braços abertos para o meu pai, é inevitável eu pensar: "Mas será que se passa algo de errado comigo?". Surgem sentimentos de culpa e de vergonha - afinal é meu pai, nunca me tratou mal, nunca deixou que me faltasse nada.
Só que faltou.
Volta e meia este tema surge nas sessões de terapia e quando lhe contei isto ela pediu-me para eu mergulhar mais fundo e pensar no porquê disto, afinal tudo tem uma razão de ser. E acho que a encontrei: ele nunca me reconheceu. Nunca se deu ao trabalho de conhecer a pessoa que, de facto, sou. Nunca tentou chegar a mim para além da superfície. Por medo? Por inércia? Por alheamento? Não sei, mas também não interessa agora. E quando me apercebi disto, senti-me profundamente defraudada e sozinha. Senti uma ausência cá dentro, uma falta que nunca será colmatada, como se me faltasse um pedaço. O que ele deu e dá não me chega. E ele nunca verá isso.
Poderia entrar em pormenores sobre coisas concretas que ele fez, ou não fez, mas penso que não vale a pena. O facto é que ele é alguém muito pragmático e o bem-estar de alguém passa por ter comida na mesa, um tecto, saúde, educação e sou muito grata, claro, por nunca me ter faltado nada e pelo facto de os meus pais terem financiado a minha educação SEMPRE, ajudando-me inclusive no mestrado e doutoramento. Mas não é disto que se alimentam as relações humanas. Uma parte da minha carência emocional vem, com toda a certeza, desta falta que ele me fez. Da incapacidade dele de ver para além da superfície, de não saber e de não querer saber de que sou feita. Lembro-me de, passados estes anos todos, de ele de vez em quando me perguntar se a minha ansiedade é uma fase que já passou. Faz-me confusão ele nunca ter procurado saber mais sobre o que é isto da ansiedade. Já não falo do resto que ele nem sequer imagina, mas custa muito ir ao google pesquisar?!
Por isso, pais que tenham filhas: tentem sempre chegar a elas. Amem-nas. Confortem-nas. Perguntem o que se passa, não esperem que elas venham ter convosco. E se vos disserem que não se passa nada, digam-lhes e mostrem-lhes que estarão sempre lá para as ouvir sem julgamento. Peçam desculpas. Admitam os vossos erros, porque todos somos humanos e erramos - a parentalidade não vem com um manual de instruções e ninguém é perfeito. Mostrem as vossas vulnerabilidades, liguem-se a elas dessa forma. Interessem-se pelas coisas que, para vocês, podem ser as mais insignificantes, mas que para elas podem ser as coisas mais importantes do mundo. Olhem nos olhos. Aprendam e ensinem. Dêem para poderem receber também. Nunca cobrando. Porque o laço de sangue não é um salvo conduto nem garantia de amor. Tudo se constrói. Até as relações entre pais e filhos.