Cá estou, na penumbra
(imagem daqui)
Tenho andado na penumbra. Tenho caminhado levemente pelo mundo com medo de torcer um pé ou partir uma perna e que o meu coxear, por dentro, se torne evidente. Acabei o doutoramento com nota máxima. Mas continuo sem trabalho, a fazer umas poucas coisas como freelancer, na área da tradução que quase não dão para o gasto. Os meus pais ajudam-me. Leio, vejo filmes e séries, procuro trabalho, mas não sei bem para onde vou.
Ando na penumbra porque estou na penumbra. Uma vida em permanente lusco-fusco, numa transição que parece nunca passar. Parece que nunca tenho o direito a estar segura, ando sempre na corda bamba. Estou cansada, porque manter o equilíbrio é difícil. Porque estou farta desta insegurança que me acorrenta a um lugar ao qual já não pertenço. E não estou a falar do país. Nem sequer estou a falar do lugar que habito. Estou a falar, sim, desse espaço mental que parece nunca estar tranquilo, porque a segurança exterior, que neste caso é financeira, nunca existe. Nunca estou confortável, ando sempre com o depósito no mínimo, esperando que dê até ao fim da próxima viagem. Sempre à rasca. E não estou a falar de carros, porque eu nem sequer tenho carta de condução.
Cá estou, livre de covid, mas com esta maleita que é o desemprego, ainda por cima com a noção do meu potencial, a nível pessoal e académico, consciente de que pertenço à geração mais qualificada de sempre e das coisas e que gostava de fazer profissionalmente. E não só de que gostava, mas como tenho a certeza de que as faria muito bem.
Cá estou, na penumbra, a caminhar sobre ovos na esperança de que alguém note em mim, no meio de tantos CVs e cartas de motivação. O trabalho não é tudo - eu sei. Mas quando nos falta, o nada que ele cria é demasiado grande, para não ser tudo.