Não se finge um transtorno mental. Finge-se que está tudo bem
(foto de Stefan Stefancik)
O facto de sermos altamente funcionais, mas termos um qualquer transtorno mental (ansiedade, depressão, bipolar, TOC, etc...) torna-se, muitas vezes, aos olhos dos outros incongruente. Porque seguimos com a nossa vida normalmente, aparentemente sem problemas de qualquer ordem, até fazemos umas piadas, saímos com amigos, temos um emprego estável, portanto para muitos dos que estão de fora se calhar estamos a inventar. Ou se calhar as coisas não são assim tão más como nós as pintamos. Ou estamos a inventar para terem pena de nós, ou para servir de desculpa quando nos der jeito.
O que eu quero dizer é que nós não fingimos ter estes transtornos: nós fingimos é que está tudo bem. Porque a dor e o medo de sermos incompreendidos, de levar com comentários condescendentes, ou até que desvalorizam o que sentimos todos os dias é maior do que fingirmos que está tudo bem e guardarmos tudo cá dentro. Porque guardamos tudo dentro de nós durante os dias e, quando estamos finalmente sozinhos e num ambiente seguro, já não temos de nos esforçar. E aí caem do nosso peito a solidão, o medo, a vergonha, o vazio, a tristeza, os pensamentos que sabemos que são irracionais, mas que, ainda assim, não conseguimos evitar ter, as oscilações de humor que controlámos o dia todo e que agora podem ser livres. E ora choramos, ora rimos, ora nos enraivecemos com as coisas mais insignificantes, ora nos deitamos no sofá sem forças para nos levantar, ora nos sentimos a coisa mais inútil, mais merdosa à face da terra. Também existem dias bons, sim. Mas a maior parte do tempo andamos assim, a fingir que encaixamos para mais ninguém ver a chuva que cai cá dentro.
Porque há uma ideia errada, e que cai nos estereótipos, de que as pessoas com qualquer tipo de transtorno mental se comportam todas da mesma maneira e que andam por aí aos caídos, a chorar todos os dias, macambúzias, curvadas sobre si mesmas, que não sabem nem conseguem viver em sociedade. E é por causa destas imagens falsas que não se presta atenção. Que não se dá importância. Que não se acredita que as coisas estão tão más para a pessoa Y ou Z, porque ela "parece" estar a lidar tão bem com aquilo. E quando se dá por isso, ouvimos "mas ela parecia tão bem, a vida corria-lhe tão bem, não percebo porque é que se suicidou..."
Este sofrimento é invisível e só se nos dermos ao trabalho de nos preocuparmos, de vermos para além do nosso umbigo, de praticarmos uma coisa tão importante chamada empatia, é que vamos conseguir chegar ao outro para o ouvir sem julgamentos. Para aceitar que aquela dor existe, mesmo que não se compreenda, mesmo que não seja aquela a nossa realidade. A maioria das pessoas não sabe lidar com estas coisas, mas às vezes o que se precisa é mesmo de ser ouvido sem julgamentos, e que nos perguntem "do que é que precisas?". Às vezes nem queremos falar do assunto, mas o facto de sabermos que há alguém que se preocupa e que está disposta a dar-nos um pouco do seu tempo para nós, já é um alívio. É um grande passo, às vezes.
Por isso perguntem sem medos. Ouçam sem julgamentos. Preocupem-se para lá do superficial. Andamos por aí todos a sentirmo-nos muito mais sozinhos do que é necessário, quando temos muito mais coisas em comum do que pensamos.